Jean Charles não é documentário sobre o crime e, como ficção, tenta mostrar essa história pregressa do brasileiro de Minas Gerais que provocou, com sua morte, comoção e revolta nacional. E reflexos no mundo. Jean (Selton Mello) vivia em Londres, esbanjava bom humor e exercia forte empatia sobre os outros, formando uma extensa rede de amizades e contatos. Mas curiosamente é aí que mora o perigo. Para ele e para o filme.
A história começa com Jean enganando o serviço de migração para entrar com sua prima Vivian (Vanessa Giácomo) em Londres. Após o êxito da "operação", ele debocha da inteligência dos funcionários ("inglês é burro!") quando, na verdade, tinha acabado de abusar da boa fé ao inventar uma mentira. E ele assume que tem que mentir mesmo. Estranho.
Com um personagem boa praça, o roteiro incluiu algumas tiradas bem humoradas com Jean comparando brasileiro, em Londres, aos Gremlins porque não param de se multiplicar. E lembrando a prima de olhar para o lado contrário na hora de atravessar a rua (a mão inglesa é inversa), para não levar um ônibus de dois andares na testa.
Contudo, como não se trata de uma comédia, para contextualizar a trama o filme mostra matérias reais exibidas na televisão, falando das investigações, dos atentados e das relações internacionais da época. Jean e sua turma sabiam o que estava acontecendo por lá. Jean Charles também aborda o conflito interno dos "estrangeiros" e insere alguns questionamentos de quem está lá (fora), mas não se aprofunda. Vivian chega a discutir com Jean sobre o assunto quando diz "não tenho vergonha de ser quem sou", mas para por aí.
Entre as curiosidades da produção fica a provável homenagem a Raul Gil (seu programa aparece na tv deles em Londres), a citação por Jean da dupla sertaneja Rick & Renner e o merchandising do pão de queijo (mais mineiro impossível) e da marca de ferramentas Dewalt na mala do personagem de Selton e em uma foto real no fim do filme.
Estranhamente, a trama insiste em revelar mais sobre Jean, que se envolvia em articulações, legalização de documentos, vistos, em troca de dinheiro. Mas o mais chocante foi ver que ele foi capaz de enganar o "patrão" brasileiro que o adorava para pegar um trabalho em seu lugar. Um vacilo condenável em qualquer parte do mundo.
E diante desta coragem do roteiro, que parece envolto em nevoeiro londrino, ficou a dúvida sobre o objetivo de Jean Charles. Porque não é fácil emocionar ao se escancarar as atitudes e os erros de um personagem real ou não. E de certa forma, Jean Charles só serviu para manchar a história de uma vítima da violência global.
O filme é frio e carente de emoção. A escolha de alguns atores (alguns não profissionas) pode ter contribuído. Mas a cena em que vão reconhecer o corpo de Jean e quando representantes do governo inglês visitam a família no Brasil, não convencem. Seria só uma questão de escolha errada do elenco? Claro que não. Faltou direção.
Descanse em paz Jean Charles.