quarta-feira, 1 de julho de 2009

Crítica "Jean Charles"


por Roberto Cunha


Um dos maiores problemas do filme Jean Charles é a falta de uma pré história. Afinal de contas, o personagem ganhou notoriedade, infelizmente, por causa de seu assassinato pela polícia inglesa, notória por sua seriedade e o não uso de armas de fogo na maioria das situações. Fora isso, Jean era um Mr. Nobody como qualquer cidadão que vive longe dos holofotes. Ainda mais um estrangeiro se virando fora de sua terra natal.

Jean Charles não é documentário sobre o crime e, como ficção, tenta mostrar essa história pregressa do brasileiro de Minas Gerais que provocou, com sua morte, comoção e revolta nacional. E reflexos no mundo. Jean (Selton Mello) vivia em Londres, esbanjava bom humor e exercia forte empatia sobre os outros, formando uma extensa rede de amizades e contatos. Mas curiosamente é aí que mora o perigo. Para ele e para o filme.

A história começa com Jean enganando o serviço de migração para entrar com sua prima Vivian (Vanessa Giácomo) em Londres. Após o êxito da "operação", ele debocha da inteligência dos funcionários ("inglês é burro!") quando, na verdade, tinha acabado de abusar da boa fé ao inventar uma mentira. E ele assume que tem que mentir mesmo. Estranho.

Com um personagem boa praça, o roteiro incluiu algumas tiradas bem humoradas com Jean comparando brasileiro, em Londres, aos Gremlins porque não param de se multiplicar. E lembrando a prima de olhar para o lado contrário na hora de atravessar a rua (a mão inglesa é inversa), para não levar um ônibus de dois andares na testa.

Contudo, como não se trata de uma comédia, para contextualizar a trama o filme mostra matérias reais exibidas na televisão, falando das investigações, dos atentados e das relações internacionais da época. Jean e sua turma sabiam o que estava acontecendo por lá. Jean Charles também aborda o conflito interno dos "estrangeiros" e insere alguns questionamentos de quem está lá (fora), mas não se aprofunda. Vivian chega a discutir com Jean sobre o assunto quando diz "não tenho vergonha de ser quem sou", mas para por aí.

Entre as curiosidades da produção fica a provável homenagem a Raul Gil (seu programa aparece na tv deles em Londres), a citação por Jean da dupla sertaneja Rick & Renner e o merchandising do pão de queijo (mais mineiro impossível) e da marca de ferramentas Dewalt na mala do personagem de Selton e em uma foto real no fim do filme.

Estranhamente, a trama insiste em revelar mais sobre Jean, que se envolvia em articulações, legalização de documentos, vistos, em troca de dinheiro. Mas o mais chocante foi ver que ele foi capaz de enganar o "patrão" brasileiro que o adorava para pegar um trabalho em seu lugar. Um vacilo condenável em qualquer parte do mundo.

E diante desta coragem do roteiro, que parece envolto em nevoeiro londrino, ficou a dúvida sobre o objetivo de Jean Charles. Porque não é fácil emocionar ao se escancarar as atitudes e os erros de um personagem real ou não. E de certa forma, Jean Charles só serviu para manchar a história de uma vítima da violência global.

O filme é frio e carente de emoção. A escolha de alguns atores (alguns não profissionas) pode ter contribuído. Mas a cena em que vão reconhecer o corpo de Jean e quando representantes do governo inglês visitam a família no Brasil, não convencem. Seria só uma questão de escolha errada do elenco? Claro que não. Faltou direção.

Descanse em paz Jean Charles.

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